quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Rosa - Divina e graciosa, estátua majestosa do amor

Da página aberta,
salta a pétala seca
e a primavera antiga.


Quero dividir com vocês a alegria de comemorar os 76 anos de minha amada mãe. Seu aniversário é, sempre, uma data muito festejada - e não poderia ser diferente. Afinal, ela é a mais velha de 12 irmãos, mãe de 10 filhos, avó de 10 netos e bisavó duas vezes! Se não bastasse tudo isso, tem muitos amigos que conquistou em sua trilha de generosidade e humanismo.

Ao longo de décadas, a vó Iracy tem sido o centro da família ao reunir em nossa casa as dezenas de familiares. É uma pessoa muito querida por todos, está sempre cercada de quem a quer bem, e isso não tem preço. Porque minha mãe é daquelas pessoas que cativam pela simplicidade. Seu prazer em receber as pessoas com doçura e delicadeza, o cafezinho de hora em hora, a mesa farta, o almoço feito no fogão de lenha, o pão caseiro, seus doces em compotas, suas flores. Costumam dizer que nossa casa cheira a amor e, certamente, é dela que esse perfume exala.

Hoje, celebramos a vida e a saúde de minha mãe desde cedo. Inicamos com um café da manhã bem caprichado, a mesa posta com rosas vermelhas e lírios. Ao som de Nélson Gonçalves, saboreamos os quitutes e celebramos a vida. O café quentinho, a toalha branca de que ela tanto gosta e a companhia da filha mais velha e de meu pai.

No almoço, tivemos a presença de um de meus irmãos. O papo e o apetite foram regados a Carlos Galhardo e Francisco Petrônio, com Branca, Rosa e Baile da saudade entre outras belas canções. O arroz com feijão (que só ela sabe fazer) representam sua alegria em compartilhar. Todos que aqui vêm adoram o feijão com arroz da tia Zizi, como é carinhosamente chamada pelos sobrinhos. São esses pequenos e especiais detalhes que me fazem ser quem eu sou. Herdo de minha mãe seu amor pela vida e pelas pessoas.

Agora, começa o café da tarde em companhia de um dos meus tios e uma de suas melhores amigas. Lá vai ela, toda feliz, colocar a mesa com carinho. Minha mãe é assim. Doce.

E virá muito mais até que o dia se finde. Os irmãos, sobrinhos, cunhados e amigos vão aparecendo... Bolo com morangos, pudim de leite, arroz doce, cerveja preta (que ela adora) e muito amor. À noite, um cantinho e um violão. Música. Ah, a música! Ela, companheira indispensável de todas as horas. A voz de minha mãe somada ao violão, que ela acaricia lentamente, são um dos registros mais sensíveis que meus olhos já captaram e que guardam com ternura.

Infelizmente, preciso ir trabalhar e não posso continuar relatando tudo o que minha mãe significa. Deixo nas entrelinhas o meu apreço. A quem não a conhece, fica o convite para um cafezinho qualquer dia desses. Afinal, "a felicidade é um bem que se multiplica ao ser dividido."

Feliz Aniversário!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Como uma onda


"Nada permanece inalterado até o fim". A afirmativa, da canção de Zeca Baleiro, é bastante oportuna, já que a vida é cíclica. Ainda bem, pois essa característica faz com que tudo seja menos entediante e monótono. Afinal , reciclar é o grande desafio. Tente imaginar como seria previsível nosso cotidiano se nao contássemos com as variações todas que a vida nos oferece. É esse "indo-e-vindo infinito" que dá movimento e graça às nossas experiências, Lulu Santos foi muito feliz na comparação.

Se não me engano, foi Goethe quem disse que o triunfo pertence aos que se atrevem. Concordo: a ousadia é atributo dos corajosos. Há quem passe 20 anos acomodado em um mesmo cargo sem tentar expandir seu universo profissional e, consequentemente, sem desenvolver novas habilidades. O medo de experimentar o novo e assumir seus riscos faz com que as pessoas fiquem estagnadas em uma determinada função. Para a maioria, é mais confortável fazer algo que se sabe sem ter de aprender nada, sem ter de assimilar novos procedimentos e/ou se adaptar a novas regras e horários. Contudo, nossa capaciadade de recomeçar é fundamental para que alcancemos o sucesso, e isso nao se limita a status e salários, mas diz respeito, sobretudo, à realização pessoal. Diariamente, somos desafiados a prosseguir e temos duas escolhas apenas: mudar ou permanecer onde e como estamos.

E não é diferente no amor. Há quem se condene à infelicidade ao manter uma relação afetiva desgastada, em que ambos estão descontentes, mas sem iniciativa para mudar a história. Quando pensam nos problemas que teriam de resolver ao se desvencilhar, as pessoas recuam. O "comecar de novo e contar comigo" se transforma em um bicho de sete cabeças. A partilha dos bens, a educação dos filhos, com quem cada um vai ficar e o que a família e os amigos irão pensar são, muitas vezes, mais importantes que a paz de espírito que poderiam alcançar. E, assim, os casais vão deixando o comodismo lhes levar, feito nau sem rumo. Evidentemente, não é fácil encarar uma separação e se desligar de alguém com quem se conviveu e construiu tantos sonhos. No entanto, nunca é tarde para ser feliz e, se não acordamos a tempo, teremos ficado boa parte da vida à deriva.

Pessoas que mudaram, radicalmente, sua vida profissional ou afetiva afirmam ter alcançado um grau de satisfação que lhes possibilitou retomar a vida como se tivesssem acabado de nascer. Conheço alguém que se livrou de um casamento de quase 30 anos por não suportar mais o desrespeito do parceiro, que vivia de galho em galho. Um amigo, que passou uma vida inteira na mesma empresa, libertou-se da mesmice ao se aposentar, pois abriu seu próprio negócio e passou a atuar na área de sua satisfação. Para eles, a vida adquiriu um novo sentido a partir daí.

Concordo com os versos do maestro quando diz que "fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho", mas isso só é possível quando o amor próprio fala mais alto. Primeiro, é você e você. Reflita e descubra se você está feliz. Fazer o que se gosta, ter prazer em exercer sua função, olhar com carinho para seus sonhos e desejos é o ponto de partida para se sentir bem ao lado de quem você ama e das pessoas com quem se relaciona profissionalmente. E mudar é necessário, pois nos faz retomar a alegria de viver. Mudar rejuvenesce. Mais que plásticas, malhação e turbinagens, acredite. Porque mudanças positivas fazem com que tenhamos brilho nos olhos e, já que esses são o espelho da alma, nao há inércia que eles possam disfarçar. Como bem canta Seu Jorge, "o bom da vida é viver bem, querer bem, estar bem".

Então, atreva-se!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Groupie (comecei namorando um som e virei fã)

Michael Jackson foi uma figura polêmica, teve altos e baixos e envolveu-se em escândalos. A mídia sempre o explorou e vendeu muito em função das notícias (boatos ou não) a seu respeito, mas uma coisa é incontestável: ele era muito bom no que fazia. Para a maioria, inegavelmente, o melhor de todos os tempos. Polêmico e conturbado, atravessou décadas conquistando fãs com seu talento e sua personalidade difícil. Vendeu mais de 750 milhões de discos e criou um estilo próprio inconfundível. Influenciou artistas dos cinco continentes e ficará, genialmente, eternizado no cenário musical.

Contudo, a morte do astro pop - e toda a movimentação que ela gerou, praticamente, parando os Estados Unidos - me fez refletir sobre esse sentimento que acometeu fãs de todo o mundo. Não é a primeira vez que isso acontece, foi assim com Elvis Presley, Janis Joplin, John Lennon, Jimi Hendrix e tantos outros astros da música. Essa comoção mundial é algo que me deixa, no mínimo, curiosa sob o ponto de vista da identidade. Talvez a psicologia e a sociologia tenham justificativas científicas para o fenômeno e possam responder a essas e outras questões, mas não é meu caso: falo apenas como ser humano que se emociona com as artes, mais especificamente com a música, e que também sente e chora a morte de uma pessoa querida, tem sensibilidade, mas que se preocupa com o que acontece ao seu redor. Vocês devem se lembrar que, no primeiro artigo desse blog, eu falava sobre meu sentimento de criança, quando acreditava que artistas eram imortais. Aos poucos, compreendi que eles eram de carne e osso e, como nós, virariam pó um dia. Continuei acreditando na imortalidade dos ídolos, mas, dessa vez, pelo legado que nos deixam.

Dentre as perguntas que rondam minha cabeça desde ontem, é inevitável indagar sobre essa dependência que os fãs têm de seus ídolos, a ponto de adotarem seu estilo no vestir, andar, falar e até mesmo na forma de se comportar e viver. Quando o ídolo se vai, as pessoas entram em desespero e parecem perder o chão, como se não tivessem vida própria. Não estou afirmando que seja assim com todos, apenas lembrando que é assim com muitos. Por ocasião dos últimos shows da Madonna, em São Paulo, ouvi uma fã dizer que a pop star era sua religião e que, sem ela, sua vida não teria sentido. Assustador, não? Por isso, discuto a obsessão que fica evidente nessas ocasiões, pois acredito haver um desejo de ser o outro, ter e fazer tudo o que ele faz. Para mim, isso é perda de identidade e é problema sério.

No Brasil, guardadas as devidas proporções, também temos casos semelhantes. Raul Seixas, por exemplo, tem dezenas de "seguidores" espalhados por todo o país. E não é só gente que admirava seu trabalho, comprava seus discos e ia a seus shows. Vai além, a ponto de se sentir o próprio Raul no dia-a-dia, como se pudesse substituí-lo e, ao mesmo tempo, sofrer menos com sua ausência. Compreendo que o ídolo possa exercer um papel positivo no sentido de proporcionar sentimentos gratificantes. A morte de Ayrton Senna, vocês devem se lembrar, parou a nação. Era como se perdêssemos um mártir, alguém que elevasse o nosso nome no planeta. Afinal, diante de tantas mazelas e escândalos e toda a desgovernança que envergonhava o país, nossas manhãs de domingo tinham alguma alegria pelos braços dele e a gente se sentia orgulhoso de ser brasileiro. Mas não vejo Sennas desfilando de macacões e capacetes pelas ruas da cidade, a não ser em eventos característicos e apropriados, em homenagem mais que merecida. Talvez porque essa coisa da fama originária de artistas mexa muito mais com o inconsciente das pessoas e sirva como atenuante às suas frustrações.

Sei de fãs que adotam o sobrenome de seus ídolos e não admitem a possibilidade de sua morte. Não é raro, por exemplo, ouvir as pessoas indagando sobre como será quando os reis Pelé e Roberto Carlos se forem. Duas de minhas irmãs choram só de pensar que Roberto vai morrer um dia e o que explica o apego e a tristeza por alguém com quem não se convive, não se conhece? Como é amar e sofrer por alguém que nem sabe que você existe? No caso das minhas irmãs, Roberto representa o marido romântico, gentil, apaixonado e dedicado. Acredito que seja assim para a maior parte de seu fã-clube, preponderantemente, feminino. É até compreensível, já que a essência feminina é tão pouco compreendida pelos homens, mas também é suspeito. Quanto ao extremo que presenciamos, esse desespero e essa sensação de perda, tão doída, creio que não possa ser saudável.

Ser fã é saudável. Admirar e prestigiar um ídolo também. Mas assumir sua personalidade e querer se sentir parecido e ter seu poder ou seu valor deve ter causa psíquica. Você pode respeitá-lo e copiar modelos saudáveis sem, necessariamente, imitá-lo ou endeusá-lo. Quando chega a ser dependente dessa imagem para sobreviver, é preocupante; essa idolatria me assusta. Diariamente, vemos Elvis, Lennons e Janis pelas ruas. Alguns são profissionais, covers que vivem desse trabalho. Mas mesmo alguns desses extrapolam e não voltam a ser eles mesmos quando o trabalho acaba. Daí, à noite, a mulher não sabe se está se deitando com seu marido ou com o ídolo desencarnado - não deve ser uma experiência muito agradável.

Também tenho ídolos, prestigio seu trabalho e compro seus discos. Vou aos shows, lamento quando morrem, choro inclusive. No entanto, considero um tanto exagerada essa projeção, entendo como obsessão. Considero importante questionar, inclusive, porque tenho sobrinhos e fico pensando como seria se um deles, de repente, virasse um Jackson, um Elvis ou uma Marilyn.

Michael Jackson fez seu papel de rei do pop e tem seus méritos. Viveu sua vida da forma que escolheu, e cada um de nós deve representar seu próprio papel com autenticidade. Sejamos protagonistas de nossa própria história ou a vida perderá o sentido.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Pecado original (a gente não sabe o lugar certo de colocar o desejo)

Fidelidade conjugal é um tema de considerável importância no mundo ocidental. Na sociedade brasileira, monogamia é sinônimo de bom caráter, mas não é, nem nunca foi, absolutamente praticada. Em tese, todo mundo é contra a bigamia, mas, na prática, a verdade é outra e está registrada nos livros de História, nas canções, no cinema e na literatura. Quem já não ouviu falar daquele casal "perfeito", aparentemente apaixonado, com filhos lindos e que demonstrava afeto em público e se adorava ao longo dos 25 anos de casados, até ela descobrir que ele tinha uma amante havia muitos anos e construíra uma família nessa relação paralela? Se, na época dos meus pais (que completarão 57 anos de casados em setembro), isso já existia, ainda mais agora, com essa onda de relações abertas.

O conceito de fidelidade dá margem a muita discussão. Nós, mulheres, por exemplo, somos educadas para reprimir nossos desejos e, quando estamos comprometidas em uma relação, não permitimos que alguém sequer suponha uma atração por alguém, nem da nossa parte e, muito menos, da pessoa que amamos. Isso em função de nossa essência, mais emotiva que a dos homens, mas também pelo que nos foi ensinado como correto. Nossa herança cultural nos educou para perdoar, mas não para sermos perdoadas. Ao longo dos anos, ouvimos "não perca seu tempo, homem é assim mesmo", a fim de que nos conformemos com as aventuras extraconjugais de nossos parceiros. Contudo, se uma de nós pular a cerca, será, imediatamente, crucificada.

Enquanto os homens são solidários entre si ao burlar as regras do casamento ou qualquer outro tipo de união estável, somos péssimas confidentes e, logo, entregamos nossa mártir às mãos dos opressores. Sim, via de regra, somos machistas. Como também o são (ou foram) nossas mães, avós e bisavós. Apesar de toda a revolução sexual e das conquistas femininas ao longo dos séculos, a mulher ainda é vista como um ser sem direitos sobre seus desejos. Vocês devem se lembrar da infeliz frase “prendam sua cabra, pois meu bode está solto”, no sentido de que meninos podem exercitar sua sexualidade, enquanto meninas são para casar virgens e ser boas donas de casa. Observem que, para a maioria da sociedade, homem que tem várias mulheres é garanhão, mulher que sai com vários é galinha. Homem infiel dá sinal de virilidade, mulher que faz o mesmo é vagabunda. Desculpem-me por ser tão direta, mas não sou a favor de eufemismos. Ou a gente fala o que tem a dizer ou fica de boca fechada.

As novas gerações aderiram à onda do "eu sou de todo mundo e não sou de ninguém", a garotada está mais livre para se relacionar. Meninos e meninas saem, descompromissadamente, com quem lhes der na telha. Não vou discutir se isso é bom ou ruim, nem os riscos das relações sexuais sem preservativos, falar de AIDS ou DST, vou me ater à questão do sentimento e da cumplicidade.

Para muita gente, sexo sem amor já não é mais pecado, algo digno de repressão. Para os que se permitem essas experiências, transar só por tesão e atração física não dá mais a ressaca moral de 50 anos atrás, mas os românticos afirmam que isso não preenche suas necessidades afetivas. Então, para esses, quando se está bem com alguém, nada explica ou justifica esse desejo e a mera transa sem dia seguinte.

Genericamente, ser livre e ficar virou sinônimo de auto-suficiência e poder. Eu gosto de você e você gosta de mim. Então, saímos e ficamos sem pensar no depois e sem o direito de sentir algo além desse gostar. Ciúme, nem pensar! E isso não é privilégio dos adolescentes, não: está assim de marmanjos brincando de amar. Talvez seja uma forma de se proteger e não se submeter ao risco da traição. Se você não tem compromisso, não pode trair ou ser traído. Daí, não sentirá culpa nem apontará culpado. Esses presumem que, sem a relação assumida, sofra-se menos. Você não cobra nem dá o direito de ser cobrado, pois estão se traindo de comum acordo e, portanto, sendo honestos um com o outro: logo, não há traição. Paradoxal, mas real.

Para outros, casais que têm esse acordo acabam, mais cedo ou mais tarde, nas garras do ciúme, porque, quer queira quer não, o ser humano é possessivo e exige, sim, exclusividade – e ninguém pode garantir o total controle sobre os sentimentos. Acreditam não ser possível se relacionar sem afetividade e, se ela acontecer e um dos envolvidos se apaixonar, o acordo pré-estabelecido desmorona.

Há quem afirme ser possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo e estar com ambas de uma forma democrática e satisfatória. Conheço casais que levam a vida amorosa assim e não sei, até que ponto, são felizes de verdade, mas isso é problema deles. Sei de gente que divide a cama com uma terceira pessoa, numa boa, sem neuras (?).

Para outros, amor é liberdade e isso significa estar com quem desejar, sempre que desejar, sem culpa. Então, nesses casos, o parceiro pode escorregar e voltar para os braços do ser amado sem crise. Só que, na maioria dos casos, ele não volta, e o outro descobre que fez papel de idiota. Ou volta, mas nunca está inteiro na relação e, para a tristeza e decepção do cônjuge, continuará tendo relações paralelas. Aí, quem aceitou não tem o que fazer, a não ser chorar sob o cobertor.

Há, ainda, quem diga que "o que os olhos não veem o coração não sente", mas se esquecem de que "o pior cego é o que não quer ver". Então, um faz e outro finge que não sabe. Vão se enganando, e a relação vira uma paranóia.

Portanto, a verdade é que há casais poligâmicos que vivem muito bem e não têm qualquer problema em relação a isso. Da mesma forma, há casais monogâmicos infelizes. E vice-versa. Ou seja, nenhuma verdade é absoluta. É importante discutir, polemizar, mas não rotular. Cada um com sua verdade e o que lhe realiza como pessoa e como amante. Eu, particularmente, acredito ser possível amar tantas e quantas pessoas se desejar, mas uma de cada vez. Eu não saberia administrar esse tipo de relação, mas respeito quem o faça de forma a ser feliz com quem e como escolheu.

Assumo que meu conceito de (in)fidelidade mudou muito ao longo dos anos, mas não o meu conceito de comunhão. Para mim, sexo é bom com amor, confiança e cumplicidade. Quando jovem, eu era enfática ao afirmar que, jamais, perdoaria uma traição. Hoje, compreendo a complexidade das relações e acredito que seja possível amar uma pessoa e se sentir atraído por outra e, assim, escorregar na tentação do desejo. E é perdoável, desde que se abra o jogo e se esteja disposto a retomar a relação com clareza de intenções e respeito. Cabe ao casal decidir o desfecho dessa história.

Cada um sabe de si ao aceitar ou não o que o outro lhe propõe, identificando o que lhe fará bem ou mal. E toda pessoa pode se sentir confusa e errar (nem sei bem se é esse o termo correto a se empregar). O que vale é a sinceridade e o que fazer depois que isso acontecer. Antes de tudo, é preciso ser fiel ao que se sente e ao que se comprometeu a fazer. Se você é monogâmico, mas está com uma pessoa desejando outra, está sendo infiel a você mesmo, e acabará magoando seu par ou reprimindo seus desejos. E, diante das infinitas possibilidades que o mundo moderno oferece (celular, torpedos, internet, chat, msn e outros tantos recursos), é preciso muita clareza de intenções e sentimentos para não escorregar. Portanto, seja responsável e coerente.

Supor ou constatar a traição já não é como no tempo dos nossos avós, mas ainda parece um crime grave diante dos olhos da sociedade. Quem trai é, automaticamente, condenado. Da mesma forma, quem perdoa é desdenhado. Mas não podemos nos esquecer de que somente as partes envolvidas é que podem e devem decidir sobre o fim ou o recomeço. Você se sente no direito de atirar a primeira pedra?

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Fim de caso

Desde que o mundo é mundo, as pessoas sofrem por amor. Afinal, desencontros amorosos não são artigo de luxo e acontecem nas melhores famílias. Quaisquer que sejam as circuntâncias em que se constate o fim, o desamor dói do mesmo jeito. Não importa se ele a deixou ou se ela se apaixonou e já tem um outro alguém; tanto faz que ele a tenha traído com sua melhor amiga, mentindo, sendo sacana e inescrupuloso ou que ela tenha flertado por aí enquanto ele trabalhava: os fatos que antecipam o fim não diminuem a dor da ausência de quem se ama. Evidententemente, há atos que machucam mais e deixam feridas mais dolorosas, seja pela falta de transparência ou, simplesmente, porque o amor acabou. E, mesmo não havendo um manual de cura, desistir de um amor requer serenidade e uma vontade interior muito forte de se desvencilhar do que não mais existe. Hoje, não há mais “nós”. A partir de agora, é você e você.

Poucos são os que conseguem virar a página sem mágoas e ressentimentos. Prova disso são os crimes passionais, frequentemente estampados nos jornais e na televisão. Abrir mão de quem se ama é um exercício difícil e requer empenho. Aliás, a rejeição é coisa chata, e a gente começa a aprender isso quando ainda é pequenina, ouvindo nãos e conhecendo limites. Nessa fase, os pais são importantíssimos, pois vêm deles as primeiras noções de limite e respeito. Se esses parâmetros não forem bem estabelecidos durante a formação do caráter de uma pessoa, teremos adultos agressivos e incapazes de lidar com suas frustrações. O assunto é amplo, mas vou me concentrar nas frustrações amorosas, já que hoje é Dia dos Namorados e muita gente, por aí, deve estar chorando a ausência do ser amado.

Compreender ou explicar o fim não significa culpar uma das partes, muito menos justificar os erros. No amor, assim como nas demais relações humanas, todos são responsáveis, já que selaram um contrato, mesmo que fora do papel. Quando o amor acontece, a gente faz escolhas e, nem sempre, acertadamente. Errar faz parte do processo de amadurecimento e auto-conhecimento, mas só é bom quando se aprende com os erros. A repetição contínua de um determinado ato nocivo acaba com o relacionamento, pois, sem harmonia, o amor não evolui nem as pessoas crescem. Se há egocentrismo, não há doação. Sem doação, não há retorno. E, sem retorno, rompe-se o laço e se inicia o nó. Se há respeito, as pessoas crescem juntas e ambas brilham, pois a luz do outro está refletida em cada um. Não há amor quando uma pessoa não se percebe na outra. Amores mesquinhos aprisionam, ofuscam e não deixam a outra parte brilhar, pois não valorizam nem potencializam suas habilidades e virtudes.

Levanto essas questões porque acredito que amar não baste. De que adianta seu afeto, respeito e dedicação se não há reciprocidade? Seu amor pode ser imenso, forte, inabalável, mas de nada valerá se a relação estiver comprometida com mentiras, jogos de interesses, desconfianças. Ele diz que a ama, mas não abre mão de nenhum de seus caprichos e exige que ela cumpra à risca os mandamentos que ele pré-determinou; não perde um jogo de futebol com os amigos para levá-la ao cinema na sexta-feira; não se importa com os questionamentos dela e dá de ombro toda vez que ela procura discutir a relação, desdenhando dessas coisas delicadas do universo feminino. Ela, por sua vez, jura que é amor o que sente por ele, mas se estressa toda vez que ele sente ciúme; invade a privacidade dele, mexe na sua agenda e procura papeizinhos com número de telefone nos bolsos de suas roupas. Ele tenta suprir a carência afetiva dela com presentes e viagens (nas quais não a acompanha, já que o que está querendo é ficar livre da marcação dela), e ela aceita, finge que não entendeu a estratégia dele e vende sua alma ao diabo, pois não conseguiria ser feliz sem o que ele lhe proporciona. Eles jogam e, nesse jogo, ambos saem perdendo.

Se você se enquadra nesses exemplos, se vivenciou uma ou mais dessas situações ou semelhantes, creia: a relação era nociva, vocês estavam doentes. E o melhor remédio, nesse caso, é parar antes que se machuquem mais; concentre-se em você, a fim de se curar do mal do amor. Agora, se você respondeu a essas questões e chegou à conclusão de que essa pessoa ainda vale a pena, não ignore os sinais e vá à luta. A difícil tarefa de amar requer cuidado e ousadia. Há quem não experimente o amor, deixando-o ir sem nem mesmo tentar por medo de sofrer. A covardia não se aplica ao amor, pois quem ama se arrisca, experimenta, se atreve. E, ainda que acabe e seja difícil superar o fim, é possível olhar para trás e dizer que amar vale a pena.

Entender o fim começa com algumas perguntas, cujas respostas darão forte indicativo de que ele(a) não vale a pena para você. Primeiro, é preciso que se tenha clareza do conceito de cada um sobre cumplicidade, respeito e fidelidade. Só então, será possível analisar os fatos em que você e seu amor estiveram envolvidos. Conceitos diferem de uma pessoa para outra, a forma de se conceber o amor também. Mas o importante é que você saiba o que lhe faz bem ou mal, conheça e respeite seus limites, para que faça sua escolha e tente ser feliz de novo.

Questione-se sobre até que ponto ele(a) lhe amou(ama). Pare e pense com calma, sem mascarar os fatos, mas tentando enxergar a verdade nua e crua. Será que havia respeito e cumplicidade na relação? Vocês tinham afinidades? Investigue até que ponto o objeto do seu amor era capaz de ir por você e o que fez, de concreto, pelo seu bem enquanto estiveram juntos(as). Havia carinho, dedicação e empenho de ambos(as) para que desse certo? Ele(a) fez a sua parte?

Final de relacionamento dói, sim. Machuca, fere, sangra. Mas não mata e, um dia, você sara. Você chora, grita, sente cada pontada da dor, mas para de sofrer no tempo certo. Só que não dá para pular essa etapa. É importante lembrar que pessoas não são bonecos, que alguém usa e, quando não quer mais, coloca de lado. E amor não é brinquedo, que, quando quebra, a gente cola, já que gostava tanto dele e não quer se desfazer. Mentiras não colam. Amor desfeito não cola e precisa ser esquecido. Desamor não cola, falta de amor próprio também não. Por isso, leva tempo para a gente digerir e aceitar o fim.

Se você tem um amor, cuide bem dele e tenha um excelente dia dos namorados. Aproveite o frio sob o edredom, com chocolates, capuccino, uma música romântica ou um bom filme, abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim. Crie um clima romântico, prepare um fondue, abra um bom vinho, enfeite a casa com velas aromáticas, flores e incensos. Saboreie o amor intensamente, pois há oportunidades que não voltam mais e o que fica são os momentos que compartilhamos.

Se você não tem, não se afobe. No momento certo, ele chegará para você. Basta que continue cuidando bem do seu jardim, e ele voltará a florescer. Saia com os amigos, ouça música, veja um filme, fique bonito(a) pra você mesmo(a), leia um bom livro, divirta-se, cuide-se bem. Quem se ama atrai quem se ama. E o círculo do amor começa aí.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Sangrando

tin
ton
tin
!

chuva pingando
enquanto o coração sangra.

tin
ton
tin
!

gota a gota,
vou tirando
você
de mim.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Gota d´água

Como lhes disse, em meu primeiro texto, quero falar sobre emoções. Das minhas, particularmente, mas também das que nos são comuns, já que cada um de nós é mais um ser humano no meio de tanta gente. Evidentemente, em algum post, o leitor se identificará com fatos e sensações e poderá comentar, inclusive, as entrelinhas.

Falar de sentimentos, hoje, torna inevitável falar do airbus que ia do Rio de Janeiro para Paris e desapareceu no domingo. As autoridades apuram os fatos, a fim de tentar explicar as causas e localizar os destroços e, principalmente, as vítimas ou sobreviventes. É uma tarefa difícil, e a espera tem sido angustiante para todos. Perto do sentimento e da dor que acometem familiares e amigos das vítimas do vôo AF 447, qualquer fato pode parecer irrelevante. Contudo, a violência cotidiana é um problema que me deixa atônita. Minhas condolências às famílias das 228 pessoas que estavam no avião e meu pedido de licença para falar sobre esse assunto.

Todos os dias, ao abrirmos os jornais ou ligarmos a televisão, o rádio ou o computador, nos deparamos com notícias sobre assaltos, sequestros relâmpagos, assassinatos, tiroteios e balas perdidas. E, por mais que nos choquemos, agimos com certa indiferença, já que o problema não é nosso. Será que não? Ainda que indiretamente, somos responsáveis pelo processo que desencadeia essa bola de neve. As causas são de naturezas diversas (educacional, cultural, socioeconômica, política etc.) e podem explicar, mas não justificam tanta barbárie. E parece que a gente só tem consciência do perigo quando ele bate à nossa porta...

Não pretendo encontrar soluções imediatistas nem culpados, apenas deixar a dúvida para que cada um reflita sobre até que ponto contribuimos para o que temos vivenciado e o que podemos fazer de concreto para ajudar a combater a violência, um caso sério de Segurança Pública e cidadania.

As guerras nos morros, os assaltos nos faróis, os arrastões e tantos outros fatos nos deixam acuados. Vamos nos trancando nos condomínioos e nos protegendo com seguranças particulares e carros blindados, como se fóssemos inatingíveis. Lavar as mãos não resolve nada, mas o medo nos paralisa. Diariamente, presenciamos atitudes agressivas, seja no ponto de ônibus, na fila do supermercado, no banco, no trânsito ou na escola. É guerra de torcidas de futebol, são os crimes passionais, os trotes violentos nas universidades; é quebra-quebra, vandalismo, irracionalidade e ausência de bom senso.

A falta de gentileza está por todos os lados, mais um reflexo do quanto o ser humano está individualista e agressivo. Por isso, cada vez mais, é importante estar em par com Deus. Embora esse texto não seja de cunho religioso, sabemos que a vida é rara e, quando menos se espera, um de nós pode ser o alvo numa situação dessas e, então, perceber como tudo é breve e quanto estamos vulneráveis todos os dias.

De tudo, fica a certeza de que "é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã", orar e vigiar, pois somos apenas uma gota d´água no meio do oceano e, apesar disso, especialmente únicos e insubstituíveis. Nada repõe a perda de um ente querido nem apaga a dor ou diminui a saudade de quem fica. E mesmo a justiça, quando feita, não alivia nosso sofrimento.

O fato é que o mundo precisa de gentileza e, se cada um fizer a sua parte, viveremos melhor. Delicadeza é pouco diante de tudo o que precisa ser feito, mas é um primeiro passo para se restabelecer a paz. E acabo voltando ao tema do segundo artigo, sobre ser e ter: sejamos menos fúteis e mais amáveis. Em vez de malhar e turbinar, compulsivamente, cuidemos melhor de nossas pobres almas e façamos mais pelo nosso próximo. Em vez de pedras, atiremos rosas e rimas. Sem pieguice nem lição de moral, apenas um pedido de socorro pela vida.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Dom de iludir

“Beleza sem virtude é como uma rosa sem fragrância”. Li isso, um dia desses, e achei muito oportuno. Afinal, vivemos num mundo de consumo, onde se dá cada vez mais importância à forma e não ao conteúdo; a era dos corpos malhados, das academias e shoppings. Mais que em qualquer época, vale o que você aparenta e veste. Se está em forma e usa boas roupas, tem uma cara bonita e um corpo bem-feito, tem acesso praticamente garantido aos grupos. Nenhum problema se, por trás de todo esse marketing pessoal, houver uma cabeça saudável. É possível ser atraente e inteligente, até aí tudo bem; é bacana se cuidar e ter uma auto-estima em alta. Mas é fundamental pensar, ter capacidade de interpretar, ser lúcido e ter bom senso. Cuidar da mente é tão ou mais importante que cultivar o físico. E quem vive alienado não é capaz de olhar para dentro de si e, muito menos, de compreender o mundo à sua volta. Não é à toa que a Globo tem tanto Ibope e continua fazendo tantas cabeças.

Atualmente, o que mais se constata é a existência de problemas de relacionamento. E não só no campo afetivo, mas também nas relações familiares, profissionais e interpessoais como um todo, pois as pessoas se moldam a fim de agradar os outros e de se sentirem aprovadas. E a individualidade, fica onde? As pessoas, de uma maneira geral, estão desaprendendo a se relacionar, têm seu psicológico comprometido por questões várias. Evidentemente, pode-se constatar isso com mais facilidade quando se relaciona intimamente com alguém ou quando se está próximo de uma relação conturbada, imatura e destrutiva. Os relacionamentos duram menos em nossos dias, resultado de um posicionamento egoísta e infantil. As pessoas fazem avaliações fúteis a respeito do outro, baseadas em impressões que não traduzem a realidade e têm imensa dificuldade em enxergar o que o outro é, de fato, em sua essência. Enxergar, notem bem, não ver. Porque as duas coisas são bem diferentes. Pode-se ver o mar e não enxergar sua imensidão e mistérios, nem perceber toda a sua beleza e a delicadeza do momento, a poesia contida num quebrar de ondas... Há quem veja, e não exergue nada.

O que quero dizer é que as relações estão, caracteristicamente, vulneráveis. A todo instante, tem-se a necessidade de provar alguma coisa ao outro, pois lhe é cobrado isso; há a preocupação com "o que será que estão pensando de mim?" e, raramente, autenticidade é algo benvindo. Então, ou você muda para evitar conflito ou é excluído porque não se enquadra no modelo aceitável. Há um policiamento em função do que é esperado de nós; somos cobrados, diariamente, para sermos bem sucedidos, bonitos, fortes; para não sentirmos medo ou insegurança, como se não fôssemos humanos. O sucesso é, comumente, atrelado a quanto você ganha. Se tem status e um alto salário, conclui-se que é realizado. Com a superexposição do orkut, então, fica todo mundo numa vitrine, pra ser examinado, questionado, investigado, acusado do que o outro bem entender.

As deduções da maldade alheia vêm acompanhadas de um prazer mesquinho em prejudicar o outro. Não é raro se ouvir dizer que fulano isso, beltrano aquilo, porque ciclano viu ou leu no orkut. Eu fico me perguntando se quem se deixa influenciar por tais argumentos é ingênuo ou estúpido mesmo. Porque pensem comigo: quem quer fazer algo que seu parceiro não aprove e que poderá comprometer a relação, vai deixar isso exposto na vitrine mais acessível do planeta? Não creio. A não ser que essa pessoa tenha o psicológico tão comprometido quanto o de quem fez a intriga. Nesse caso, a infidelidade seria um prêmio à altura.

O fato é que as pessoas estão tão preocupadas em ter, que se esquecem de ser. Querem ter um corpo bonito, o carro do ano, as melhores roupas, ir aos lugares mais badalados, ser admiradas e desejadas, como objetos de leilão. Querem ser fashion, descoladas, irreverentes, pop, paparicadas. E esquecem de ser éticas, justas, honestas e verdadeiras. Passam por cima de alguém, de sua privacidade e suas relações afetivas sem o menor constrangimento, com o objetivo de “se dar bem”. Fazem qualquer coisa para ter de volta um emprego ou um amor fracassado, pois não sabem lidar com rejeição, não aceitam um não, o que para mim evidencia uma falha de educação gravíssima (mas isso pode ser assunto para um próximo artigo).

Confesso que estou muito decepcionada com o ser humano, mas não perco a fé nas pessoas. Não sou perfeita nem tenho a pretensão de, longe de mim! Mas fico indignada com o fato de as pessoas serem tão influenciáveis, deixando-se manipular com tanta facilidade. A partir de uma pulguinha desprezível que lhes colocam atrás da orelha, fazem um criadouro de mentiras e fofocas. Personalidade fraca ou falta de capacidade de discernimento? Há quem viva há meia década e não tenha aprendido a tirar suas próprias conclusões sobre os fatos, sem se deixar contaminar pelas más línguas. Há quem conheça esse modus operandi e se valha dessa fraqueza para envenenar o outro. Infelizmente, respeito é algo que a maioria desconhece.

* Se alguém lhe vê - e não lhe enxerga -, não cabe a você convencê-lo de nada, não temos esse dever. As pessoas é que precisam olhar, atentamente, ao seu redor e enxergar o que cada um tem, de fato, a lhe oferecer. E, finalmente, compreender que o mundo não gira ao redor do seu umbigo. Nossa vida não se limita à compreensão que o outro faz de nós: temos independência de vontades, desejos, pensamentos e ações. Isso é individualidade e deve ser preservado. O que somos independe do julgamento que fazem de nós, as impressões são mero detalhe de cada observador, pois, como bem disse Caetano, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” – ou, pelo menos, deveria.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Canteiros


Talvez a morte não seja o melhor tema para se começar um diário e, certamente, alguns leitores desistirão antes mesmo de eu completar a primeira frase a respeito. Afinal, somos educados para não falar na dita cuja, mesmo sabendo que ela é a inevitável consequência da vida. Mas o fato que me motivou a escolhê-lo é verdadeiro, então, decidi não ignorá-lo. Vou ser muito honesta com vocês: ultimamente, tenho sentido um medo enorme de morrer sem antes completar meus canteiros. E, embora acredite que a vida não acabe aqui, admito que estou envelhecendo e descobrindo não só a sabedoria, mas também os medos que os anos proporcionam. E o mais sério: estou percebendo o tempo se encurtar em contraponto a tudo o que ainda não realizei, como se uma voz gritasse dentro de mim "corra, seu tempo está se esgotando!". Sem fatalismos nem melodramas, apenas um sentimento que me acometeu, e não em vão. Por isso, dei início ao Rosas e Rimas.

Estava me lembrando de quando era menina e acreditava que os poetas, os músicos e todos aqueles que fazem arte (recriando e/ou retratando nossas dúvidas, carências, alegrias, tristezas e tantos outros sentimentos inerentes ao ser humano) eram imortais. De certa forma, eu estava certa: creio que a arte seja a forma mais delicada e abrangente de se perpetuar a vida. Contudo, a descoberta de que eles, os artistas, assim como eu ou qualquer outro mortal, se tornariam pó, um dia, chocou-me profundamente. Eu tinha uns 11 anos e me sentia imortal em cada um deles! Fiquei tão decepcionada com o fato revelador, que, a partir daquele dia, passei a ter um olhar ainda mais sensível e profundo sobre a vida.

A arte nos permite observar, atentamente, o mundo que nos cerca, bem como o que nos antecedeu e, provavelmente, o que virá. Devorando a arte, nos deparamos com criações e personagens que fazem e alcançam o que nos parece impossível e, ao mesmo tempo, sofrem com a infalível condição humana. Suas perdas e ganhos traduzem parte do que somos - nossas dores, tristezas e angústias, nossas vitórias, os momentos felizes -, do que queremos ser ou do que seremos, e é possível sabê-los em nossos momentos mais íntimos. É como se os incorporássemos e libertássemos todos os nossos fantasmas, digladiando com cada um que há em nós e nos redescobrindo em seguida.

Até hoje, eu me transporto nos livros, discos, quadros, filmes. Obviamente, já não tenho a ilusão de que a ficção se tornará realidade, posso discernir entre o real e o imaginário, mas não deixo de mergulhar no fundo de mim mesma com tudo o que absorvo. Poder sorver a arte é algo sem limites, de um prazer inesgotável, é o que atenua o cenário obscuro que insiste em nos envolver, aquela nuvem negra que teima em nos sobrevoar... Se paro para pensar no que seria a vida sem a arte, fico transtornada, pois é ela quem me salva de meus infernos e, às vezes, me insere em outros, tão ou mais surpreendentes, para me apresentar as possibilidades todas de viagens ao desconhecido, que me sacodem para a vida e me livram dos meus medos.

Daí, a importância que atribuo sobretudo à música e à poesia, pois acredito ser fundamentalmente importante ter esse lirismo como aliado ao longo dos anos. Quero semear diversificadas sementes para externar minhas dúvidas e tristezas, meus questionamentos, minhas paixões, minha indignação, minha felicidade, minhas dores, minhas alegrias. Sei que "longa é a arte, tão breve a vida", e, apesar das tragédias cotidianas e todas as dores que me são impostas, acredito que é possível atenuá-las com uma boa música, um poema, uma flor.

Faço canteiros de emoções e lhes convido a me acompanhar.