sexta-feira, 29 de maio de 2009

Canteiros


Talvez a morte não seja o melhor tema para se começar um diário e, certamente, alguns leitores desistirão antes mesmo de eu completar a primeira frase a respeito. Afinal, somos educados para não falar na dita cuja, mesmo sabendo que ela é a inevitável consequência da vida. Mas o fato que me motivou a escolhê-lo é verdadeiro, então, decidi não ignorá-lo. Vou ser muito honesta com vocês: ultimamente, tenho sentido um medo enorme de morrer sem antes completar meus canteiros. E, embora acredite que a vida não acabe aqui, admito que estou envelhecendo e descobrindo não só a sabedoria, mas também os medos que os anos proporcionam. E o mais sério: estou percebendo o tempo se encurtar em contraponto a tudo o que ainda não realizei, como se uma voz gritasse dentro de mim "corra, seu tempo está se esgotando!". Sem fatalismos nem melodramas, apenas um sentimento que me acometeu, e não em vão. Por isso, dei início ao Rosas e Rimas.

Estava me lembrando de quando era menina e acreditava que os poetas, os músicos e todos aqueles que fazem arte (recriando e/ou retratando nossas dúvidas, carências, alegrias, tristezas e tantos outros sentimentos inerentes ao ser humano) eram imortais. De certa forma, eu estava certa: creio que a arte seja a forma mais delicada e abrangente de se perpetuar a vida. Contudo, a descoberta de que eles, os artistas, assim como eu ou qualquer outro mortal, se tornariam pó, um dia, chocou-me profundamente. Eu tinha uns 11 anos e me sentia imortal em cada um deles! Fiquei tão decepcionada com o fato revelador, que, a partir daquele dia, passei a ter um olhar ainda mais sensível e profundo sobre a vida.

A arte nos permite observar, atentamente, o mundo que nos cerca, bem como o que nos antecedeu e, provavelmente, o que virá. Devorando a arte, nos deparamos com criações e personagens que fazem e alcançam o que nos parece impossível e, ao mesmo tempo, sofrem com a infalível condição humana. Suas perdas e ganhos traduzem parte do que somos - nossas dores, tristezas e angústias, nossas vitórias, os momentos felizes -, do que queremos ser ou do que seremos, e é possível sabê-los em nossos momentos mais íntimos. É como se os incorporássemos e libertássemos todos os nossos fantasmas, digladiando com cada um que há em nós e nos redescobrindo em seguida.

Até hoje, eu me transporto nos livros, discos, quadros, filmes. Obviamente, já não tenho a ilusão de que a ficção se tornará realidade, posso discernir entre o real e o imaginário, mas não deixo de mergulhar no fundo de mim mesma com tudo o que absorvo. Poder sorver a arte é algo sem limites, de um prazer inesgotável, é o que atenua o cenário obscuro que insiste em nos envolver, aquela nuvem negra que teima em nos sobrevoar... Se paro para pensar no que seria a vida sem a arte, fico transtornada, pois é ela quem me salva de meus infernos e, às vezes, me insere em outros, tão ou mais surpreendentes, para me apresentar as possibilidades todas de viagens ao desconhecido, que me sacodem para a vida e me livram dos meus medos.

Daí, a importância que atribuo sobretudo à música e à poesia, pois acredito ser fundamentalmente importante ter esse lirismo como aliado ao longo dos anos. Quero semear diversificadas sementes para externar minhas dúvidas e tristezas, meus questionamentos, minhas paixões, minha indignação, minha felicidade, minhas dores, minhas alegrias. Sei que "longa é a arte, tão breve a vida", e, apesar das tragédias cotidianas e todas as dores que me são impostas, acredito que é possível atenuá-las com uma boa música, um poema, uma flor.

Faço canteiros de emoções e lhes convido a me acompanhar.