terça-feira, 10 de abril de 2012

O engolidor de sapos (Nada vem de graça, nem o pão nem a cachaça)

por Vera Barbosa



Ele buscava uma ideia brilhante. Afinal, estava desempregado há alguns meses e acreditava que, inovando, seria diferenciado para o mercado. Não tinha respostas dos currículos que enviava, ia a agências toda segunda-feira, mas, por seu esteriótipo, não era selecionado. Homem sem oportunidades, não tinha qualificação e sequer conseguia uma oportunidade temporária. O dinheiro estava acabando, as contas continuariam... Então, pôs-se a pensar em algo original e criativo, que o destacasse dos demais e lhe garantisse uma recolocação profissional.

Amante do circo, viu nele a sua fonte de inspiração. Afinal, com todo respeito à classe, fora feito de palhaço quase a vida toda, e talvez encontrasse uma saída por ali. Analisou, uma a uma, as profissões existentes e decidiu juntar algumas delas, adaptando-as a sua realidade, algo com que sempre se  identificara. Imaginou o que poderia ser mais curioso e interessante para a plateia, algo que a envolvesse e a fizesse desembolsar bons trocados por uma sessão. Foi quando a luzinha mágica do seu cérebro se acendeu e ele descobriu que tinha grande potencial para algo que todos desprezavam. Engolir sapos. Negro, pobre e homossexual, engoliu todos os sapos em todos os lugares por que passou. Fora desrespeitado em sua essência, estava "acostumado" a ser tratado assim por onde passasse.

É isso: seria um engolidor de sapos profissional. Genial! Imagina quanta gente o contrataria para engolir sapos por aí. A esposa cansada dos chapéus do marido, a secretária que não aguenta mais os desaforos do patrão, os pedestres sem segurança, motoristas e a indústria das multas, donas de casa sendo desrespeitadas em sua responsabilidade e importância, as mães e seus filhos malcriados, os baixos salários dos professores... Sem falar nos políticos, que ninguém mais aguenta digerir. Pronto, estava decidido: engolir sapos seria rentável e não o deixaria mais desempregado. Solucionaria os seus problemas e os dos outros.

Começou por estipular uma tabela de preços, que variaria de acordo com o tamanho do sapo. Começou a quantificar a dor de cabeça, o enjoo, as horas de digestão, despesas com sal de fruta e similares, uma boa cachaça para ajudar a descer. Tudo na ponta do lápis, fixou os valores para sapos pequenos, médios e grandes. Com o tempo e o sucesso da operação, poderia aumentar os preços e, caso a demanda fosse muito maior que o esperado, contratar alguns ajudantes, a quem ensinaria o árduo ofício.

A segunda etapa era a divulgação. Pensou em investir a última parcela do seguro desemprego em uma agência de publicidade, mas publicitários já nos enfiam goela abaixo mil sapos por dia, pensou,  e não seria justo ainda pagar por isso. Então, resolveu que faria a propaganda boca a boca. Nada mais justo. Afinal, ela, a boca seria seu instrumento de trabalho. Assim, à medida que engolisse um sapo para alguém, surgiriam automaticamente tantos outros a engolir.

Pôs-se a elaborar o cartaz a ser pregado na porta de casa, a humilde casa pela qual pagava o absurdo aluguel de R$ 600,00 e, para ele, sapo maior não há! Aluguel é dinheiro jogado fora, um sapo que atravessa a garganta e borbulha no estômago, fermentando todo o ser. Pois bem, o cartaz. Fez várias tentativas inúteis, nada lhe agradava. Achava tudo muito comum, nada original.

"Sapos, sapinhos, sapões. Engulo todos pra você."
"Se você tem nojo de engolir sapos, seus problemas acabaram!"
"Já parou pra pensar em quantos sapos você engole na vida? Deixa eu engolir por você."
"Traga o sapo, que eu engulo no seu lugar."

E assim foi, horas a fio, até descobrir a fórmula ideal:  "Venha descobrir como se engole um sapo de verdade!" Formaram-se filas gigantescas na sua porta, todos curiosos por saber quem era o novo mágico do bairro e como ele conseguiria engolir tantos sapos de uma só vez. Ninguém botava fé, mas eram mais curiosos que descrentes. 

A surpresa com o seu desempenho alarmou a população! O homem trabalhava 12 a 15 horas por dia, quase incessantemente, para dar conta da sapolândia do bairro. E o comércio cresceu. Veio gente de toda a redondeza. Começou a ganhar muito dinheiro e contratou uma recepcionista, um contador e um tesoureiro de sapos. Ampliado o quadro de sapistas, alugou um lugar melhor, maior, bem instalado e passou a atender também à classe média. Claro, aumentou os preços. Começou a lucrar como nunca pensara e criou franquias nos bairros nobres. Quem disse que rico não engole sapo? Engole, inclusive, para manter-se rico. Recebeu proposta de sociedade de gente influente, mas não queria dividir lucros. Agora, ele também era poderoso e faria com que outros engolissem os sapos em seu lugar. Treinou novos engolidores, lhes pagava um salário medíocre, o suficiente para não estar desempregado e comer. Comer sapos. Quem precisa aceita.

Alguns anos se passaram.

Enriqueceu.

Cansado, decidiu se aposentar.

Agora, tinha dinheiro, imóveis, carros importados, tudo o que podia comprar. Mas a triste constatação abalaria seu mundo. Foi aí que se deu conta de que não tinha saúde para gozar tudo o que conseguira acumular. Os anos engolindo sapos o comeram por dentro. Era tanta aflição, tanta mágoa, angústia, desgosto, infelicidade, que se tornou um morto-vivo.

Era opaco, deteriorado, quase podre. E foi então que percebeu que lugar de sapo é no brejo. Se tivesse reagido e vomitado cada sapo engolido, seria mais feliz. Talvez não tivesse emprego, dinheiro, mas teria dignidade. Devia ter-se rebelado! Ter gritado pro mundo as sua dores!

Angustiado e infeliz, decidiu abdicar. Vendeu tudo o que tinha. Doou as franquias a seus funcionários. Levou consigo uma muda de roupa, os pés descalços... Ia em busca de purificação. E foi morar na beira do rio, para tentar despejar todos os sapos que engoliu por lá.  Até secar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sensacional!!!!!!!!!!!! (wowwwwwwwwww)