domingo, 27 de maio de 2012

Saudade (La noche nuestra, o mundo a rodar)

por Vera Barbosa




"saudade dela:
escuro no quarto,
lua na janela"

(ao som de Besame - Jane Duboc)

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Naquela estação (Você entrou no trem)

por Vera Barbosa


Gosto de ler no ônibus e no metrô. Para me informar, me distrair, passar o tempo, chegar mais rapidamente ao meu destino. É uma forma de tornar a viagem menos difícil e encurtar a distância. Nem sempre é possível, dadas as lotações dos carros e o volume cada vez maior de usuários. Quase sempre, vou em pé, mas dou um jeito de abrir meu livro ou revista sob os olhares dos que estão, mais confortavelmente, acomodados em suas poltronas. Sou baixinha e, não raramente, leio encolhida entre os ombros de um e outro cidadão, o que exige malabarismos para me segurar e ainda conseguir virar a página. Mas até esse desafio torna o hábito mais prazeroso! 

Adoro quando o texto é engraçado, divertido e me pego rindo sozinha diante dos olhares aflitos dos passageiros à minha volta. Mas também me emociono, e é curioso vê-los com uma interrogação enorme na testa, loucos para perguntar por que estou chorando. 

Hoje, no metrô, ao voltar sentada e ler Rubem Alves, me emocionei com um trecho em que ele relembra, ternamente, alguns momentos de infância e a saudade do pai. Por segundos, esqueci onde estava e me deixei levar pela delicadeza das palavras. As lágrimas escorreram, nem me dei conta, e fui surpreendida com a senhorinha ao meu lado, que, esticando a mão, tocou meu braço e ofereceu um lencinho de papel murmurando "não chore, minha filha, vai dar tudo certo", no que respondi sem pensar "é, no final, sempre dá certo". 

Guardei o livro na mochila, me despedi desejando-lhe um bom dia e desembarquei sorrindo naquela estação.

(Ao som de "Naquela estação" - Adriana Calcanhotto) 

terça-feira, 22 de maio de 2012

Sobre o exercício de amar (Revelar todo o sentido)

por Vera Barbosa



Quem nunca quis viver um amor de novela ou cinema, daqueles que nunca morrem e cujos protagonistas se perdem nos anos e, um dia, se reencontram e descobrem que nunca deixaram de se amar? Amores impossíveis, que enfrentam tudo e todos para acontecer. Amores de romances, que sangram e voltam a brilhar como se nunca tivessem se apagado. 

Amores juvenis, daqueles que fazem você rir de si mesmo e tudo a sua volta, como se nada fosse mais importante que vocês. Sabe amor de juventude? Que pega garupa na bicicleta, toma banho de cachoeira,  sorvete na praça, cinema, parque de diversão... Ou um amor maroto, com molejo e pimenta, mas recheado de poesia, vinho e ternura. 

Na vida, a gente experimenta um pouco de tudo isso, mas nunca tudo ao mesmo tempo, claro. 

Já vivi o suficiente para amar, sorrir, chorar, sangrar e renascer, e sei que nada se repete. Tudo é novo de novo. Porque somos, inclusive, resultado do que o outro desperta em nós e do que despertamos nele. A troca é simultânea. Ninguém é, genuinamente, puro a ponto de não ser estimulado e, tantas vezes, influenciado por sensações e olhares diferentes. 

Nenhuma presonalidade permanece intacta depois da convivência. E o mais interessante é que a gente se recicla a cada começo-meio-e-fim, mas continua sendo a gente mesmo. A alma se renova, tudo se transforma, mas a essência permanece. Revestida, talvez, de detalhes absorvidos na passagem das horas a dois, com o que ficou do encantamento, dos momentos mais íntimos, das descobertas e anseios, das perdas e ganhos. 

É o mistério de recomeçar. Deve ser essa a grande lição de amar e desamar: se descontruir, reconstruir e voltar mais madura, inteira, acreditando ser possível. De novo.

"Nem que eu bebesse o mar, encheria o que eu tenho de fundo."

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Austero, porém doce (Eu sou assim)

por Vera Barbosa



O telefone não para de tocar desde as oito da manhã! Meu pai, Oliveiros Barbosa, completa 83 anos de vida, saúde e muito trabalho. Já está meio cansado de atender às ligações, mas eu insisto, pois a data é motivo de muita alegria para as cerca de 140 pessoas da família e tantos amigos. Hoje, escrevo para homenageá-lo, exaltar sua persistência ao longo dessa trajetória e destacar que, por toda a vida, ele não se dedicou apenas a sua família, mas a todos a sua volta.

Por todo o amor que me dedicou - e ainda dedica-, por sua infinita bondade e sabedoria, por ser um homem honesto e justo, papai é meu bem mais valioso, meu espelho. Nascido em Brotas, interior de São Paulo, começou a trabalhar aos 12 anos de idade. Conheceu minha mãe, em São Roque, aos 19 anos. Ela estava comprometida, mas não resistiu ao encanto dos olhos azuis do meu velho. Ela conta que ele era super charmoso e elegante, o que a fisgou definitivamente. Casaram-se em 1952, uma união de amor que fará 60 anos em 20 de setembro próximo. Filho único, meu pai recebeu a família da noiva como sua, sendo muito presente na vida de todos. Até hoje, meus tios o beijam e pedem a bênção e meus primos (muitos já são pais e têm mais de 40) sentam ao seu redor para ouvir suas histórias, cenas que sempre me emocionam.

Trabalhador, de um duro danado para criar os dez filhos. É exemplo para todos que têm o privilégio de conhecê-lo e conviver com ele, por seu caráter e dignidade, já que nunca abriu mão de seus valores para "se dar bem". Jamais passou por cima de alguém, jamais humilhou. Educou-nos com o princípio de que nada vale a perda do sono tranquilo e de se estar em paz com a própria consciência. Altruísta, sempre ajudou os menos favorecidos, fazendo pelos amigos o que faria por seus filhos. É um homem totalmente desprendido de coisas materiais, que nunca desejou nada além de saúde e trabalho, para educar seus filhos, pagar suas contas em dia e ter um lar harmonioso. Generoso, nunca pensou em acumular, mas em dividir.

De família humilde, não teve oportunidade de estudar e sempre trabalhou muito, viajando e montando pedreiras por esse Brasil de meu Deus, sem direito a folgas sequer aos domingos e feriados. Mas é um sábio por natureza, foi a vida que lhe deu todo o conhecimento necessário. Foi nas idas e vindas, com muitas curvas sinuosas, que ele pôde observar, assimilar, aprender. O rádio de pilha, o melhor companheiro, foi parceiro constante. Até hoje, tem o hábito (que eu herdei) de dormir ouvindo AM. Vivenciou momentos marcantes da história, é um contador de "causos" excepcional, pela riqueza de detalhes que reproduz com fidelidade. Tem um lirismo que lhe é peculiar e que cativa o interlocutor. Bem informado, não perde um telejornal e discute qualquer assunto. Fez questão de votar no Lula nas duas últimas eleições de que participou; mesmo lhe facultando o direito de votar, nunca abriu mão de exercer sua cidadania. É patriota, apaixonado por sua terra e sua gente e, apesar dos pesares que a gente conhece, tem orgulho de ser brasileiro.

Adora terra, verde e pescaria, mesa farta - não aprecia os sovinas.

Tem um ar meio bravo, às vezes truncado, sisudão (coisa de taurino, eu acho, de quem pensa muito, está sempre refletindo), mas tem um coração mole que só. Vira e mexe, descasca frutinhas e me traz carinhosamente. Pera, maçã, laranja, manga...Adora limonada, boxe e futebol. Narra jogos de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe como se os tivesse visto em campo ontem e pela primeira vez. E vibra!!!

É ciumento, nem parece que conhece minha mãe há 64 anos: é um eterno apaixonado!

Hoje, somos oito filhos (dois, infelizmente, faleceram), dez netos e dois bisnetos. Temos a alegria de ser uma família unida, cujos filhos, genros, noras, irmãos, cunhados, sobrinhos, tios, netos e primos se veem e se ajudam constantemente. Somos, todos, muito ligados. As reuniões em nossa casa (aniversários, Dia das Mães, Dia dos pais, Natal...) reúnem cerca de 50, 60 membros da família durante todo o ano. Somos festivos e cantamos ao som do violão de minha mãe, meu irmão, meu primo e um dos meus tios, além do bandolim da tia mais velha. E papai chora ao ouvir Lupicínio, Noel, Cartola, Nelson (Cavaquinho e Gonçalves), Dorival, Orlando, Ary, Silvio Caldas, Paulinho... toda a semelhança não é mera coincidência, a genética não mente!

Nossa casa, na zona norte de São Paulo, tem um grande quintal e, como ele, está sempre de portas abertas para todos. Quem chega pode tomar um café torrado em nosso fogão de lenha e comer um feijãozinho à moda mineira que só minha mãe sabe preparar. Ele resmunga um pouco, algumas vezes, pois não tem mais paciência para muita agitação, coisas da idade... mas acaba se rendendo e se emocionando ao dizer que "a casa do bode veio é a mais querida". Ele é assim.

Parabéns, Pai! É uma honra ser sua filha!