segunda-feira, 7 de maio de 2012

Austero, porém doce (Eu sou assim)

por Vera Barbosa



O telefone não para de tocar desde as oito da manhã! Meu pai, Oliveiros Barbosa, completa 83 anos de vida, saúde e muito trabalho. Já está meio cansado de atender às ligações, mas eu insisto, pois a data é motivo de muita alegria para as cerca de 140 pessoas da família e tantos amigos. Hoje, escrevo para homenageá-lo, exaltar sua persistência ao longo dessa trajetória e destacar que, por toda a vida, ele não se dedicou apenas a sua família, mas a todos a sua volta.

Por todo o amor que me dedicou - e ainda dedica-, por sua infinita bondade e sabedoria, por ser um homem honesto e justo, papai é meu bem mais valioso, meu espelho. Nascido em Brotas, interior de São Paulo, começou a trabalhar aos 12 anos de idade. Conheceu minha mãe, em São Roque, aos 19 anos. Ela estava comprometida, mas não resistiu ao encanto dos olhos azuis do meu velho. Ela conta que ele era super charmoso e elegante, o que a fisgou definitivamente. Casaram-se em 1952, uma união de amor que fará 60 anos em 20 de setembro próximo. Filho único, meu pai recebeu a família da noiva como sua, sendo muito presente na vida de todos. Até hoje, meus tios o beijam e pedem a bênção e meus primos (muitos já são pais e têm mais de 40) sentam ao seu redor para ouvir suas histórias, cenas que sempre me emocionam.

Trabalhador, de um duro danado para criar os dez filhos. É exemplo para todos que têm o privilégio de conhecê-lo e conviver com ele, por seu caráter e dignidade, já que nunca abriu mão de seus valores para "se dar bem". Jamais passou por cima de alguém, jamais humilhou. Educou-nos com o princípio de que nada vale a perda do sono tranquilo e de se estar em paz com a própria consciência. Altruísta, sempre ajudou os menos favorecidos, fazendo pelos amigos o que faria por seus filhos. É um homem totalmente desprendido de coisas materiais, que nunca desejou nada além de saúde e trabalho, para educar seus filhos, pagar suas contas em dia e ter um lar harmonioso. Generoso, nunca pensou em acumular, mas em dividir.

De família humilde, não teve oportunidade de estudar e sempre trabalhou muito, viajando e montando pedreiras por esse Brasil de meu Deus, sem direito a folgas sequer aos domingos e feriados. Mas é um sábio por natureza, foi a vida que lhe deu todo o conhecimento necessário. Foi nas idas e vindas, com muitas curvas sinuosas, que ele pôde observar, assimilar, aprender. O rádio de pilha, o melhor companheiro, foi parceiro constante. Até hoje, tem o hábito (que eu herdei) de dormir ouvindo AM. Vivenciou momentos marcantes da história, é um contador de "causos" excepcional, pela riqueza de detalhes que reproduz com fidelidade. Tem um lirismo que lhe é peculiar e que cativa o interlocutor. Bem informado, não perde um telejornal e discute qualquer assunto. Fez questão de votar no Lula nas duas últimas eleições de que participou; mesmo lhe facultando o direito de votar, nunca abriu mão de exercer sua cidadania. É patriota, apaixonado por sua terra e sua gente e, apesar dos pesares que a gente conhece, tem orgulho de ser brasileiro.

Adora terra, verde e pescaria, mesa farta - não aprecia os sovinas.

Tem um ar meio bravo, às vezes truncado, sisudão (coisa de taurino, eu acho, de quem pensa muito, está sempre refletindo), mas tem um coração mole que só. Vira e mexe, descasca frutinhas e me traz carinhosamente. Pera, maçã, laranja, manga...Adora limonada, boxe e futebol. Narra jogos de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe como se os tivesse visto em campo ontem e pela primeira vez. E vibra!!!

É ciumento, nem parece que conhece minha mãe há 64 anos: é um eterno apaixonado!

Hoje, somos oito filhos (dois, infelizmente, faleceram), dez netos e dois bisnetos. Temos a alegria de ser uma família unida, cujos filhos, genros, noras, irmãos, cunhados, sobrinhos, tios, netos e primos se veem e se ajudam constantemente. Somos, todos, muito ligados. As reuniões em nossa casa (aniversários, Dia das Mães, Dia dos pais, Natal...) reúnem cerca de 50, 60 membros da família durante todo o ano. Somos festivos e cantamos ao som do violão de minha mãe, meu irmão, meu primo e um dos meus tios, além do bandolim da tia mais velha. E papai chora ao ouvir Lupicínio, Noel, Cartola, Nelson (Cavaquinho e Gonçalves), Dorival, Orlando, Ary, Silvio Caldas, Paulinho... toda a semelhança não é mera coincidência, a genética não mente!

Nossa casa, na zona norte de São Paulo, tem um grande quintal e, como ele, está sempre de portas abertas para todos. Quem chega pode tomar um café torrado em nosso fogão de lenha e comer um feijãozinho à moda mineira que só minha mãe sabe preparar. Ele resmunga um pouco, algumas vezes, pois não tem mais paciência para muita agitação, coisas da idade... mas acaba se rendendo e se emocionando ao dizer que "a casa do bode veio é a mais querida". Ele é assim.

Parabéns, Pai! É uma honra ser sua filha!

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