segunda-feira, 1 de junho de 2009

Dom de iludir

“Beleza sem virtude é como uma rosa sem fragrância”. Li isso, um dia desses, e achei muito oportuno. Afinal, vivemos num mundo de consumo, onde se dá cada vez mais importância à forma e não ao conteúdo; a era dos corpos malhados, das academias e shoppings. Mais que em qualquer época, vale o que você aparenta e veste. Se está em forma e usa boas roupas, tem uma cara bonita e um corpo bem-feito, tem acesso praticamente garantido aos grupos. Nenhum problema se, por trás de todo esse marketing pessoal, houver uma cabeça saudável. É possível ser atraente e inteligente, até aí tudo bem; é bacana se cuidar e ter uma auto-estima em alta. Mas é fundamental pensar, ter capacidade de interpretar, ser lúcido e ter bom senso. Cuidar da mente é tão ou mais importante que cultivar o físico. E quem vive alienado não é capaz de olhar para dentro de si e, muito menos, de compreender o mundo à sua volta. Não é à toa que a Globo tem tanto Ibope e continua fazendo tantas cabeças.

Atualmente, o que mais se constata é a existência de problemas de relacionamento. E não só no campo afetivo, mas também nas relações familiares, profissionais e interpessoais como um todo, pois as pessoas se moldam a fim de agradar os outros e de se sentirem aprovadas. E a individualidade, fica onde? As pessoas, de uma maneira geral, estão desaprendendo a se relacionar, têm seu psicológico comprometido por questões várias. Evidentemente, pode-se constatar isso com mais facilidade quando se relaciona intimamente com alguém ou quando se está próximo de uma relação conturbada, imatura e destrutiva. Os relacionamentos duram menos em nossos dias, resultado de um posicionamento egoísta e infantil. As pessoas fazem avaliações fúteis a respeito do outro, baseadas em impressões que não traduzem a realidade e têm imensa dificuldade em enxergar o que o outro é, de fato, em sua essência. Enxergar, notem bem, não ver. Porque as duas coisas são bem diferentes. Pode-se ver o mar e não enxergar sua imensidão e mistérios, nem perceber toda a sua beleza e a delicadeza do momento, a poesia contida num quebrar de ondas... Há quem veja, e não exergue nada.

O que quero dizer é que as relações estão, caracteristicamente, vulneráveis. A todo instante, tem-se a necessidade de provar alguma coisa ao outro, pois lhe é cobrado isso; há a preocupação com "o que será que estão pensando de mim?" e, raramente, autenticidade é algo benvindo. Então, ou você muda para evitar conflito ou é excluído porque não se enquadra no modelo aceitável. Há um policiamento em função do que é esperado de nós; somos cobrados, diariamente, para sermos bem sucedidos, bonitos, fortes; para não sentirmos medo ou insegurança, como se não fôssemos humanos. O sucesso é, comumente, atrelado a quanto você ganha. Se tem status e um alto salário, conclui-se que é realizado. Com a superexposição do orkut, então, fica todo mundo numa vitrine, pra ser examinado, questionado, investigado, acusado do que o outro bem entender.

As deduções da maldade alheia vêm acompanhadas de um prazer mesquinho em prejudicar o outro. Não é raro se ouvir dizer que fulano isso, beltrano aquilo, porque ciclano viu ou leu no orkut. Eu fico me perguntando se quem se deixa influenciar por tais argumentos é ingênuo ou estúpido mesmo. Porque pensem comigo: quem quer fazer algo que seu parceiro não aprove e que poderá comprometer a relação, vai deixar isso exposto na vitrine mais acessível do planeta? Não creio. A não ser que essa pessoa tenha o psicológico tão comprometido quanto o de quem fez a intriga. Nesse caso, a infidelidade seria um prêmio à altura.

O fato é que as pessoas estão tão preocupadas em ter, que se esquecem de ser. Querem ter um corpo bonito, o carro do ano, as melhores roupas, ir aos lugares mais badalados, ser admiradas e desejadas, como objetos de leilão. Querem ser fashion, descoladas, irreverentes, pop, paparicadas. E esquecem de ser éticas, justas, honestas e verdadeiras. Passam por cima de alguém, de sua privacidade e suas relações afetivas sem o menor constrangimento, com o objetivo de “se dar bem”. Fazem qualquer coisa para ter de volta um emprego ou um amor fracassado, pois não sabem lidar com rejeição, não aceitam um não, o que para mim evidencia uma falha de educação gravíssima (mas isso pode ser assunto para um próximo artigo).

Confesso que estou muito decepcionada com o ser humano, mas não perco a fé nas pessoas. Não sou perfeita nem tenho a pretensão de, longe de mim! Mas fico indignada com o fato de as pessoas serem tão influenciáveis, deixando-se manipular com tanta facilidade. A partir de uma pulguinha desprezível que lhes colocam atrás da orelha, fazem um criadouro de mentiras e fofocas. Personalidade fraca ou falta de capacidade de discernimento? Há quem viva há meia década e não tenha aprendido a tirar suas próprias conclusões sobre os fatos, sem se deixar contaminar pelas más línguas. Há quem conheça esse modus operandi e se valha dessa fraqueza para envenenar o outro. Infelizmente, respeito é algo que a maioria desconhece.

* Se alguém lhe vê - e não lhe enxerga -, não cabe a você convencê-lo de nada, não temos esse dever. As pessoas é que precisam olhar, atentamente, ao seu redor e enxergar o que cada um tem, de fato, a lhe oferecer. E, finalmente, compreender que o mundo não gira ao redor do seu umbigo. Nossa vida não se limita à compreensão que o outro faz de nós: temos independência de vontades, desejos, pensamentos e ações. Isso é individualidade e deve ser preservado. O que somos independe do julgamento que fazem de nós, as impressões são mero detalhe de cada observador, pois, como bem disse Caetano, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” – ou, pelo menos, deveria.

Um comentário:

Tilla disse...

é isso aí! ser bonito é muito facil! Afinal, tem gosto pra tudo nesse mundo! Dificil é ser interessante, inteligente...