terça-feira, 23 de junho de 2009

Pecado original (a gente não sabe o lugar certo de colocar o desejo)

Fidelidade conjugal é um tema de considerável importância no mundo ocidental. Na sociedade brasileira, monogamia é sinônimo de bom caráter, mas não é, nem nunca foi, absolutamente praticada. Em tese, todo mundo é contra a bigamia, mas, na prática, a verdade é outra e está registrada nos livros de História, nas canções, no cinema e na literatura. Quem já não ouviu falar daquele casal "perfeito", aparentemente apaixonado, com filhos lindos e que demonstrava afeto em público e se adorava ao longo dos 25 anos de casados, até ela descobrir que ele tinha uma amante havia muitos anos e construíra uma família nessa relação paralela? Se, na época dos meus pais (que completarão 57 anos de casados em setembro), isso já existia, ainda mais agora, com essa onda de relações abertas.

O conceito de fidelidade dá margem a muita discussão. Nós, mulheres, por exemplo, somos educadas para reprimir nossos desejos e, quando estamos comprometidas em uma relação, não permitimos que alguém sequer suponha uma atração por alguém, nem da nossa parte e, muito menos, da pessoa que amamos. Isso em função de nossa essência, mais emotiva que a dos homens, mas também pelo que nos foi ensinado como correto. Nossa herança cultural nos educou para perdoar, mas não para sermos perdoadas. Ao longo dos anos, ouvimos "não perca seu tempo, homem é assim mesmo", a fim de que nos conformemos com as aventuras extraconjugais de nossos parceiros. Contudo, se uma de nós pular a cerca, será, imediatamente, crucificada.

Enquanto os homens são solidários entre si ao burlar as regras do casamento ou qualquer outro tipo de união estável, somos péssimas confidentes e, logo, entregamos nossa mártir às mãos dos opressores. Sim, via de regra, somos machistas. Como também o são (ou foram) nossas mães, avós e bisavós. Apesar de toda a revolução sexual e das conquistas femininas ao longo dos séculos, a mulher ainda é vista como um ser sem direitos sobre seus desejos. Vocês devem se lembrar da infeliz frase “prendam sua cabra, pois meu bode está solto”, no sentido de que meninos podem exercitar sua sexualidade, enquanto meninas são para casar virgens e ser boas donas de casa. Observem que, para a maioria da sociedade, homem que tem várias mulheres é garanhão, mulher que sai com vários é galinha. Homem infiel dá sinal de virilidade, mulher que faz o mesmo é vagabunda. Desculpem-me por ser tão direta, mas não sou a favor de eufemismos. Ou a gente fala o que tem a dizer ou fica de boca fechada.

As novas gerações aderiram à onda do "eu sou de todo mundo e não sou de ninguém", a garotada está mais livre para se relacionar. Meninos e meninas saem, descompromissadamente, com quem lhes der na telha. Não vou discutir se isso é bom ou ruim, nem os riscos das relações sexuais sem preservativos, falar de AIDS ou DST, vou me ater à questão do sentimento e da cumplicidade.

Para muita gente, sexo sem amor já não é mais pecado, algo digno de repressão. Para os que se permitem essas experiências, transar só por tesão e atração física não dá mais a ressaca moral de 50 anos atrás, mas os românticos afirmam que isso não preenche suas necessidades afetivas. Então, para esses, quando se está bem com alguém, nada explica ou justifica esse desejo e a mera transa sem dia seguinte.

Genericamente, ser livre e ficar virou sinônimo de auto-suficiência e poder. Eu gosto de você e você gosta de mim. Então, saímos e ficamos sem pensar no depois e sem o direito de sentir algo além desse gostar. Ciúme, nem pensar! E isso não é privilégio dos adolescentes, não: está assim de marmanjos brincando de amar. Talvez seja uma forma de se proteger e não se submeter ao risco da traição. Se você não tem compromisso, não pode trair ou ser traído. Daí, não sentirá culpa nem apontará culpado. Esses presumem que, sem a relação assumida, sofra-se menos. Você não cobra nem dá o direito de ser cobrado, pois estão se traindo de comum acordo e, portanto, sendo honestos um com o outro: logo, não há traição. Paradoxal, mas real.

Para outros, casais que têm esse acordo acabam, mais cedo ou mais tarde, nas garras do ciúme, porque, quer queira quer não, o ser humano é possessivo e exige, sim, exclusividade – e ninguém pode garantir o total controle sobre os sentimentos. Acreditam não ser possível se relacionar sem afetividade e, se ela acontecer e um dos envolvidos se apaixonar, o acordo pré-estabelecido desmorona.

Há quem afirme ser possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo e estar com ambas de uma forma democrática e satisfatória. Conheço casais que levam a vida amorosa assim e não sei, até que ponto, são felizes de verdade, mas isso é problema deles. Sei de gente que divide a cama com uma terceira pessoa, numa boa, sem neuras (?).

Para outros, amor é liberdade e isso significa estar com quem desejar, sempre que desejar, sem culpa. Então, nesses casos, o parceiro pode escorregar e voltar para os braços do ser amado sem crise. Só que, na maioria dos casos, ele não volta, e o outro descobre que fez papel de idiota. Ou volta, mas nunca está inteiro na relação e, para a tristeza e decepção do cônjuge, continuará tendo relações paralelas. Aí, quem aceitou não tem o que fazer, a não ser chorar sob o cobertor.

Há, ainda, quem diga que "o que os olhos não veem o coração não sente", mas se esquecem de que "o pior cego é o que não quer ver". Então, um faz e outro finge que não sabe. Vão se enganando, e a relação vira uma paranóia.

Portanto, a verdade é que há casais poligâmicos que vivem muito bem e não têm qualquer problema em relação a isso. Da mesma forma, há casais monogâmicos infelizes. E vice-versa. Ou seja, nenhuma verdade é absoluta. É importante discutir, polemizar, mas não rotular. Cada um com sua verdade e o que lhe realiza como pessoa e como amante. Eu, particularmente, acredito ser possível amar tantas e quantas pessoas se desejar, mas uma de cada vez. Eu não saberia administrar esse tipo de relação, mas respeito quem o faça de forma a ser feliz com quem e como escolheu.

Assumo que meu conceito de (in)fidelidade mudou muito ao longo dos anos, mas não o meu conceito de comunhão. Para mim, sexo é bom com amor, confiança e cumplicidade. Quando jovem, eu era enfática ao afirmar que, jamais, perdoaria uma traição. Hoje, compreendo a complexidade das relações e acredito que seja possível amar uma pessoa e se sentir atraído por outra e, assim, escorregar na tentação do desejo. E é perdoável, desde que se abra o jogo e se esteja disposto a retomar a relação com clareza de intenções e respeito. Cabe ao casal decidir o desfecho dessa história.

Cada um sabe de si ao aceitar ou não o que o outro lhe propõe, identificando o que lhe fará bem ou mal. E toda pessoa pode se sentir confusa e errar (nem sei bem se é esse o termo correto a se empregar). O que vale é a sinceridade e o que fazer depois que isso acontecer. Antes de tudo, é preciso ser fiel ao que se sente e ao que se comprometeu a fazer. Se você é monogâmico, mas está com uma pessoa desejando outra, está sendo infiel a você mesmo, e acabará magoando seu par ou reprimindo seus desejos. E, diante das infinitas possibilidades que o mundo moderno oferece (celular, torpedos, internet, chat, msn e outros tantos recursos), é preciso muita clareza de intenções e sentimentos para não escorregar. Portanto, seja responsável e coerente.

Supor ou constatar a traição já não é como no tempo dos nossos avós, mas ainda parece um crime grave diante dos olhos da sociedade. Quem trai é, automaticamente, condenado. Da mesma forma, quem perdoa é desdenhado. Mas não podemos nos esquecer de que somente as partes envolvidas é que podem e devem decidir sobre o fim ou o recomeço. Você se sente no direito de atirar a primeira pedra?

Um comentário:

Tilla disse...

Gostei dedys!
Acho assim: Estamos no século XXI, não tem nada demais em tentar salvar um casamento né? É como vc disse: somente as partes envolvidas devem decidir.
Aiai, e pensar que tudo isso pq, infelizmente, "romanticos são poucos, loucos e pirados"... hehehe
Te amo! Beijos